Direito civil e do consumidor. Dever de utilização do sistema braille por instituições financeiras.
As instituições financeiras devem utilizar o sistema braille na confecção dos contratos bancários de adesão e todos os demais documentos fundamentais para a relação de consumo estabelecida com indivíduo portador de deficiência visual. Pela ordem cronológica, destaca-se, de início, o art. 1º da Lei 4.169/1962, que oficializou as Convenções Braille para uso na escrita e leitura dos cegos e o Código de Contrações e Abreviaturas Braille. Posteriormente, a Lei 10.048/2000, ao conferir prioridade de atendimento às pessoas portadoras de deficiência, textualmente impôs às instituições financeiras a obrigação de conferir tratamento prioritário, e, por conseguinte, diferenciado, aos indivíduos que ostentem as aludidas restrições. A referida Lei, ao estabelecer normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadores de deficiência ou com mobilidade reduzida, bem explicitou a necessidade de supressão de todas as barreiras e de obstáculos, em especial, nos meios de comunicação. E, por fim, em relação ao micro-sistema protetivo das pessoas portadoras de deficiência, cita-se à colação o Decreto 6.949/2009, que promulgou a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, cujo texto possui valor equivalente ao de uma emenda constitucional, e, por veicular direitos e garantias fundamentais do indivíduo, tem aplicação concreta e imediata (art. 5º, §§ 1º e 3º, da CF). Nesse ínterim, assinala-se que a convenção sob comento impôs aos Estados signatários a obrigação de assegurar o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais pelas pessoas portadoras de deficiência, conferindo-lhes tratamento materialmente igualitário (diferenciado na proporção de sua desigualdade) e, portanto, não discriminatório, acessibilidade física e de comunicação e informação, inclusão social, autonomia e independência (na medida do possível, naturalmente), e liberdade para fazer suas próprias escolhas, tudo a viabilizar a consecução do princípio maior da dignidade da pessoa humana. Especificamente sobre a barreira da comunicação, a Convenção, é certo, referiu-se expressamente ao método braille, sem prejuízos de outras formas e sempre com atenção à denominada “adaptação razoável”, como forma de propiciar aos deficientes visuais o efetivo acesso às informações. Nesses termos, valendo-se das definições trazidas pelo Tratado, pode-se afirmar, com segurança, que a não utilização do método braille durante todo o ajuste bancário levado a efeito com pessoa portadora de deficiência visual (providência, é certo, que não importa em gravame desproporcional à instituição financeira), impedindo-a de exercer, em igualdade de condições com as demais pessoas, seus direitos básicos de consumidor, a acirrar a inerente dificuldade de acesso às correlatas informações, consubstancia, a um só tempo, intolerável discriminação por deficiência e inobservância da almejada “adaptação razoável”. A utilização do método braille nos ajustes bancários com pessoas portadoras de deficiência visual encontra lastro, ainda, indiscutivelmente, na legislação consumerista, que preconiza ser direito básico do consumidor o fornecimento de informação suficientemente adequada e clara do produto ou serviço oferecido, encargo, é certo, a ser observado não apenas por ocasião da celebração do ajuste, mas também durante toda a contratação. No caso do consumidor deficiente visual, a consecução deste direito, no bojo de um contrato bancário de adesão, somente é alcançada (de modo pleno, ressalta-se), por meio da utilização do método braille, a facilitar, e mesmo a viabilizar, a integral compreensão e reflexão acerca das cláusulas contratuais submetidas a sua apreciação, especialmente aquelas que impliquem limitações de direito, assim como dos extratos mensais, dando conta dos serviços prestados, taxas cobradas etc. Ressalte-se que, considerada a magnitude dos direitos sob exame, de assento constitucional e legal, afigura-se de menor, ou sem qualquer relevância, o fato de a Resolução 2.878/2001 do BACEN, em seu art. 12, exigir, sem prejuízo de outras providências a critério das instituições financeiras, que as contratações feitas com deficientes visuais sejam precedidas de leitura, em voz alta, por terceiro, das cláusulas contratuais, na presença de testemunhas. Este singelo procedimento, a toda evidência, afigura-se insuficiente, senão inócuo, ao fim que se destina. De fato, esse proceder não confere ao consumidor deficiente visual, como seria de rigor, pleno acesso às informações, para melhor nortear as suas escolhas, bem como para permitir seja aferido, durante toda a contratação, a correlação e mesmo a correção entre os serviços efetivamente prestados com o que restou pactuado (taxas cobradas, condições, consectários de eventual inadimplemento etc.). Nesse contexto, é manifesta, ainda, a afronta ao direito à intimidade do consumidor deficiente visual que, para simples conferência acerca da correção dos serviços prestados, ou mesmo para mera obtenção de prestação de contas, deve se dirigir a agência bancária e, forçosamente, franquear a terceiros, o conteúdo de sua movimentação financeira. O simples envio mensal dos extratos em braille afigurar-se-ia providência suficiente e razoável para conferir ao cliente, nessas condições, tratamento digno e isonômico. Deve-se, pois, propiciar ao consumidor nessas condições, não um tratamento privilegiado, mas sim diferenciado, na medida de sua desigualdade, a propiciar-lhes igualdade material de tratamento. É de se concluir, assim, que a obrigatoriedade de confeccionar em braille os contratos bancários de adesão e todos os demais documentos fundamentais para a relação de consumo estabelecida com indivíduo portador de deficiência visual, além de encontrar esteio no ordenamento jurídico nacional, afigura-se absolutamente razoável, impondo à instituição financeira encargo próprio de sua atividade, adequado e proporcional à finalidade perseguida, consistente em atender ao direito de informação do consumidor, indispensável à validade da contratação, e, em maior extensão, ao princípio da dignidade da pessoa humana. REsp 1.315.822-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 24/3/2015, DJe 16/4/2015.
Decisão publicada no Informativo 559 do STJ - 2015
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